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Postagens

Memórias do Subsolo

“Abismo”. Na maioria das vezes em que lia ou ouvia algo a respeito da obra de Dostoiévski, percebia que essa palavra estava presente. Claro que me sentia intrigada, mas só pude ter a mínima noção do que se tratava quando terminei essa leitura. Em “Memórias do subsolo", conhecemos a mente de um homem e alguns fatos de sua vida narrados sob seu ponto de vista. O homem do subsolo se considera mais inteligente do que muitas pessoas. Além disso, ele gosta de subjugar moralmente alguns indivíduos. Ainda assim, na sua perspectiva, as pessoas devem se sentir felizes por ter a honra da sua ilustre presença.  Em contrapartida, o narrador é um homem que se sente insignificante. Suas ações são guiadas pelo rancor. Vaidade, inveja e raiva também acompanham sua rotina. E, quando as emoções baixas se fazem ausentes, ele encontra uma forma de senti-las novamente. Afinal, para esse sujeito, essa é uma forma de experienciar a vida e sair da inércia destinada às pessoas como ele, as de consciência e

A Espera

Autora: Keum Suk Gendry-Kim Editora: Pipoca e Nanquim Em “A Espera” conhecemos a história de Gwija, uma senhora coreana que, há sete décadas, espera reencontrar seus familiares.  Aos dezessete anos, Gwija casou-se às pressas com um homem desconhecido. Foi uma forma que sua família encontrou de impedir que ela fosse levada pelos japoneses para servir como “mulher de conforto” durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa. Com o tempo, a jovem conseguiu se adaptar à realidade de casada e formar uma família. Mas, devido à eclosão da Guerra da Coreia, Gwija, mais uma vez, precisou mudar sua vida da noite para o dia. Junto à família, partiu rapidamente para o Sul. Foi então que um acontecimento marcou para sempre sua existência: ela se perdeu do marido e do filho. Anos se passaram, Gwija construiu uma vida, casou-se novamente e teve mais filhos. Entretanto, essa mulher jamais conseguiu se esquecer de sua primeira família. Ela não sabe o que aconteceu com o marido e o filho. Não tem ideia se eles

Bem-vindos à livraria Hyunam-dong

Mesmo alcançando a vida ideal que preenchia os parâmetros de sucesso, Yeongju sentia falta de algo, algo em que pudesse se reconhecer. Quando chegou ao seu limite, ela deixou tudo para trás e decidiu investir em seu sonho: abrir uma livraria. Os livros ajudavam Yeongju a entender melhor os próprios sentimentos, a não desmoronar e a preencher um vazio. Portanto, muito mais do que um negócio, a livraria significava o lugar em que se sentia bem e valorizada, onde conseguia ser ela mesma. Quando me sentei para escrever este post, não consegui encontrar uma palavra melhor para descrever essa leitura do que acolhedora. Os personagens que passam pela livraria são pessoas que estão tentando viver um dia de cada vez, no seu próprio tempo, e encontrando paz no caminho que escolheram seguir. “Talvez o que eles estejam fazendo não seja considerado um grande sucesso, mas eles estão sempre crescendo, mudando e evoluindo. O julgamento alheio não importa. O fato de eles progredirem e gostarem de onde

Grandes Esperanças

Pip, um órfão de origem modesta, conheceu a dureza da vida muito cedo. O garoto cresceu sob os cuidados da irmã mais velha, e afeto e incentivo estavam longe de fazer parte da sua criação. A sorte desse menino foi poder contar com a amizade sincera do cunhado, o ferreiro Joe.  Um dia, porém, algo inusitado aconteceu na vida de Pip: uma pessoa misteriosa resolveu presenteá-lo com a oportunidade de um futuro melhor. A partir desse episódio, o jovem protagonista pôde ampliar suas perspectivas em relação ao que poderia ser. Afinal, agora ele tem dinheiro, chances de se tornar um cavalheiro e grande possibilidade de ser o par perfeito de uma certa jovem. Impossível negar, era a oportunidade perfeita para um recomeço. Um recomeço tão radical que Pip optou por rejeitar e se desligar daquelas pessoas que o lembravam de suas raízes. Em “Grandes Esperanças”, o leitor acompanha os fatos da vida do protagonista contados por ele mesmo. E, a meu ver, o que torna tudo mais interessante é a sinceridad

Sobre a Vida Feliz

“Aquele que é feliz, portanto, tem sua justa medida, isto é, a sabedoria.” Durante a comemoração do aniversário de Agostinho, anfitrião e convidados dialogam sobre a verdadeira felicidade e expõem argumentos que permeiam tópicos, como posses, sabedoria, plenitude, alimento espiritual, virtude e verdade. Apesar de poucas páginas, “Sobre a Vida Feliz” foi uma leitura que enriqueceu minha espiritualidade devido às reflexões. Mas também me fez crescer enquanto leitora, pois estou falando de um texto que puxa uma linha de raciocínio e instiga a pessoa que está lendo a pensar de uma forma mais lógica a respeito do conteúdo apresentado. “Quem é o Filho de Deus? Foi dito que Ele é a Verdade. Quem é aquele que não tem Pai, e quem mais poderia ser senão a medida suprema? Portanto, todo aquele que chegar à medida suprema pela verdade é feliz. É isto então possuir a Deus no espírito, isto é fruir a Deus. Todo o restante, pois, embora procedendo de Deus, não possui a Deus.” Ahhh, deixa eu aproveita

O Quebra-Nozes

Apesar de ter ganhado presentes maravilhosos na véspera de Natal, Marie se apegou a um quebra-nozes em formato de boneco que, sendo sincera, passava longe do quesito beleza. Ao final da noite, depois de alguns acidentes com seu novo brinquedo, Marie não poupou esforços para arrumar um cantinho apropriado para o quebra-nozes no armário da sala. Após cumprir sua missão, a meiga garotinha - ainda na sala - não esperava ouvir ruídos estranhos em vez do cuco tradicional do relógio. E o pior de tudo foi ver seu padrinho, o inventor Drosselmeier, sentado em cima do grande relógio de parede e, em seguida, se deparar com um exército de camundongos liderado por um rei de sete cabeças. Mas se você pensa que as surpresas acabaram por aí, não se engane. Afinal, Marie viu os brinquedos do armário ganhando vida e, sob o comando do quebra-nozes, se organizando para enfrentar os invasores. A partir desse momento, ela conhece uma realidade misteriosa e até um pouco assustadora, vive aventuras, descobre

Roverando

“Quando tinha 4 anos, Michael, um dos filhos de J.R.R. Tolkien perdeu seu amado cachorro de brinquedo na praia. Para consolá-lo, seu pai improvisou uma história sobre Rover, um cachorro real que é magicamente transformado em um brinquedo e precisa encontrar o mago que o enfeitiçou para poder voltar ao normal. Rover pede ajuda a um feiticeiro-da-areia, que o envia à Lua e, mais tarde, ao mar.” “Roverando” foi uma leitura leve que mergulhou minha mente na trama de tal forma que acalmou a agitação que costumo sentir nos últimos meses do ano. A determinação do pequeno Rover, o modo que ele trava amizades e o quanto esse cãozinho aprende durante o tempo em que tenta chegar ao seu destino me proporcionaram encantamento e diversão. Mas sabe o que mais aprendi com o Rover? Aprendi sobre paciência. Afinal, em um mundo no qual podemos resolver muita coisa por meio de um simples clique (o que é maravilhoso), arriscamos sentir apego ao que é imediato e tendemos a ignorar que certos propósitos nece

A Música do Silêncio

“ Debaixo da Universidade, bem lá no fundo, há um lugar escuro. Poucas pessoas sabem de sua existência, uma rede descontínua de antigas passagens e cômodos abandonados. Ali, bem no meio desse local esquecido, situado no coração dos Subterrâneos, vive uma jovem. Seu nome é Auri, e ela é cheia de mistérios .” Em "A Música do Silêncio", o leitor acompanha Auri vivendo seus dias enquanto espera a visita do Kvothe . Partindo dessa informação, o que posso adiantar é que você não deve abrir o livro com expectativa de encontrar aventuras ou uma trama repleta de reviravoltas. É por isso que o autor deixa bem claro que muitas pessoas podem não gostar da leitura.  Bem, esse não foi, nem de longe, o meu caso. Afinal de contas, eu me apaixonei pela narrativa. Patrick Rothfuss apresenta a realidade da personagem de uma forma sensível e poética. Por meio de suas palavras, é possível entrar em contato com o silêncio. Mas não um silêncio qualquer, e sim aquele que abre o caminho para que o si

Botchan

Autor: Natsume Soseki Editora: Estação Liberdade Sobre Ao pensar em uma pessoa intensa no amor e no ódio, imprudente, impaciente e que não perde a oportunidade de entrar em uma briga, certamente vou me lembrar do Botchan, protagonista deste livro. Publicado pela primeira vez em 1906, “Botchan” apresenta a história de um rapaz de 23 anos de Tóquio que, após a morte dos pais, muda-se para o interior com o intuito de trabalhar ensinando matemática em uma escola. Quando esse jovem da metrópole chega à  pequena ilha de pescadores, precisa lidar com uma realidade muito diferente. Afinal, além de conviver com o oposto da modernidade à qual estava acostumado, ele precisa resolver seus problemas sozinho, sem a ajuda de Kiyo, uma criada que serviu sua família por muitos anos e o tinha em alta conta. Botchan não consegue lidar com infortúnios de forma racional. O rapaz sempre tenta resolver os seus problemas da maneira mais ignorante e imatura possível. Esse jovem está cercado de alunos que não n

Confissões

Título: Confissões Autor: Santo Agostinho Tradução: Beatriz S. S. Cunha Editora: Principis Em “Confissões”, escrito no século IV, Santo Agostinho descreve os caminhos até sua conversão, revela suas inquietações e relata suas experiências de vida. Ao longo das páginas, o leitor encontra preces lindas e reflexões filosóficas acerca de assuntos, como a origem do bem e do mal, criação, memórias e tempo. Admito que não foi uma leitura fácil, pois a densidade do conteúdo exigiu um pouco mais de concentração da minha parte. Portanto, preciso ler o livro mais vezes para ter uma compreensão mais profunda. Apesar de não ter assimilado tudo, gostei da experiência de conhecer "Confissões" e pretendo ler outros livros do autor. Abaixo, você pode conferir um trecho do livro que me deixou bastante emocionada. Sem dúvida, a passagem está entre as mais belas que já li na minha vida. Se você curtiu  este post sobre "Confissões", aproveite a visita para ler também " Cristianismo

O gato que amava livros

Tigre, um gato falante, está à procura de alguém que ame com sinceridade os livros para ajudá-lo em uma missão de resgate. Rintaro Natsuki é um jovem bondoso e sincero, que foi criado com muito carinho pelo avô, o proprietário da livraria Natsuki. A loja de livros usados sempre foi um lugar de conforto e acolhimento para o garoto. Ele amava passar horas do seu dia lendo em meio às estantes abarrotadas.   Depois do falecimento do avô, além de lidar com a dor do luto, Rintaro precisa encarar a possibilidade de se despedir desse ambiente tão especial e cheio de boas recordações. É durante esse momento de sua vida que Rintaro se depara com o gato falante no meio da livraria. Tigre quer a ajuda do garoto para acompanhá-lo em sua missão de salvar livros que estão sendo maltratados. A partir desse encontro, acompanhamos aventuras surreais e uma história comovente sobre coragem, amizade e literatura. “O gato que amava livros” me surpreendeu pela profundidade das reflexões. Na trama, Rintaro e

Noites Brancas: Romance sentimental (Das memórias de um sonhador)

Autor: Fiódor Dostoiévski  Tradutor:Rubens Figueiredo Editora: Penguin-Companhia Um sonhador. Quatro noites. A possibilidade da felicidade. O protagonista é um homem solitário que usa a fantasia como uma forma de escapar de sua condição. Ele tinha o hábito de vagar pelas ruas de São Petersburgo observando pessoas e casas, cantarolando e compartilhando seus sentimentos com a cidade. “Eu caminhava e cantava, porque, quando estou feliz, sempre cantarolo algo baixinho, como faz qualquer pessoa feliz que não tem amigos nem bons conhecidos e que, nos momentos alegres, não tem com quem dividir sua alegria.” Mas algo mudou quando, em uma de suas caminhadas, ele conheceu a jovem Nástienka. Depois desse encontro inesperado, esse homem, que se denominava um sonhador, teve um vislumbre da ausência da solidão e a experiência de dividir um pouco de si com uma pessoa real.  O enredo se desenvolve em quatro noites, e o sonhador é quem narra os eventos para o leitor. Considerações Eu amei o narrador e

O Deserto dos Tártaros

“ " O deserto dos tártaros" (1940), obra-prima de Buzzati, conta a história de jovens oficiais que consomem toda a sua existência em uma solitária fortaleza de fronteira, esperando em vão o ataque dos tártaros. Mais do que isso, o livro retrata a angústia, a resignação e a solidão do homem, incapaz de escapar a seu próprio destino .” Um dos aspectos marcantes do livro é como o virar das páginas faz o leitor se sentir angustiado ao olhar para a própria vida.  Todo mundo quer chegar ao fim da estrada, olhar para trás e sentir que viveu seu propósito. No entanto, a nossa passividade diante da vida pode nos levar ao mesmo lugar do protagonista, Giovanni Drogo. Podemos viver alguma situação de insatisfação duradoura e, sem fazer nada em relação a isso, esperar que, um dia, tudo se transforme. E não seria novidade confundir essa acomodação com paciência, persistência ou força de vontade. Por outro lado, ao tomar distância do que estamos acostumados, podemos, em um primeiro momento,

Antes que o café esfrie

“ Em uma ruazinha estreita e silenciosa de Tóquio, num subsolo, existe um estabelecimento que, há mais de 100 anos, serve um café cuidadosamente preparado. Além disso, uma estranha lenda urbana conta que os clientes podem viver ali uma experiência única: fazer uma viagem no tempo. ” Em “Antes que o café esfrie”, acompanhamos a história de quatro pessoas que optaram por fazer essa viagem. O detalhe é que suas palavras e ações não poderão alterar o presente. Então, qual seria a vantagem de percorrer esses caminhos? Trazendo essa ideia para a minha vida cotidiana, pude refletir sobre as vezes em que fiquei remoendo situações do passado, ou quando me peguei ansiosa em relação ao futuro. Foi então que me dei conta de que, por mais que a minha mente teime em permanecer nesses lugares, a verdade é uma só: é somente no presente que eu posso me movimentar para alterar minha realidade. Contudo, acredito que essa capacidade de ser um agente transformador da própria vida depende de como lidamos co