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A hora da estrela

A Hora da Estrela

Autora: Clarice Lispector
Editora: Rocco
Gênero narrativo: Novela
Páginas: 88

Sobre

“A história é de uma inocência pisada, de uma miséria anônima.” É dessa forma que a autora, em entrevista ao Programa Panorama da TV Cultura, fala sobre A hora da estrela, obra lançada em 1977, pouco antes de sua morte.

Somos apresentados pelo narrador Rodrigo S. M. à história de Macabéa, uma moça nordestina, muito pobre e que nem mesmo sabia se expressar.

Segundo Rodrigo S. M., trata-se de uma história inventada, porém real. Durante toda trama, o narrador dialoga com o leitor e compartilha aflições a respeito de si e de sua personagem.

A protagonista é de Alagoas. Órfã de pais, Macabéa foi criada por uma tia que não era lá tão bondosa assim e que sentia prazer em castigá-la. A moça viveu uma infância muito pobre e sofrida. Mais tarde, as duas se mudaram para o Rio de Janeiro, pois a tia havia conseguido um emprego de datilógrafa para a sobrinha. Mas, no decorrer dessa estadia, a tia da moça faleceu. 

Então, Macabéa passou a dividir um quarto alugado com outras quatro Marias, que eram balconistas das Lojas Americanas. Ela trabalhava como datilógrafa, mas, por ironia do destino, tinha muita dificuldade com as palavras, afinal precisava digitar lentamente - letra por letra - para não errar nada.

Macabéa vivia com uma dor de dente, sentia enjoos e almoçava cachorro quente com Coca-Cola. Afinal, era o que podia pagar. E, à noite, para disfarçar a fome, mastigava papel. É descrita como uma pessoa fisicamente feia, com um cheiro desagradável e que tinha ovários murchos.

“Assoava o nariz na barra da combinação. Não tinha aquela coisa delicada que se chama encanto. Só eu a vejo encantadora. Só eu, seu autor, a amo. Sofro por ela. E só eu é que posso dizer assim: “que é que você me pede chorando que eu não lhe dê cantando”? Essa moça não sabia que ela era o que era, assim como um cachorro não sabe que é cachorro. Daí não se sentir infeliz. A única coisa que queria era viver. Não sabia para quê, não se indagava.” Pág. 27

A Rádio Relógio era o seu passatempo preferido. A rádio, além de informar as horas e tocar músicas, ensinava sobre cultura. Eram informações que ela ouvia atentamente, apesar de não compreender muita coisa. Macabéa não tinha amigos, nunca ganhou um presente - era como se ela não existisse no mundo - ninguém notava a sua presença.

No decorrer da história, a jovem se apaixona por Olímpico de Jesus e logo começa um relacionamento. Olímpico era metalúrgico, esperto, ambicioso e a tratava com extrema rispidez.

E é assim que essa moça vai vivendo um dia após o outro, sentia-se perdida, só sabia que a vida era assim porque era. Não entendia quando era maltratada ou pisada e, talvez, por isso fosse feliz.

O que Macabéa não imaginava era que Olímpico terminaria tudo para se envolver com Glória, uma moça carioca que trabalhava no mesmo escritório que ela.

Além disso tudo, o emprego dela estava por um fio, já que o patrão estava insatisfeito com a qualidade do seu trabalho. Logo, Macabéa é aconselhada a procurar uma cartomante para ver o que o futuro reserva. É durante essa consulta que a moça se dará conta da miséria de sua vida.

Gente, é o que acontece quando ela sai da consulta que trará a compreensão do nome do livro. Contudo, não contarei para não estragar a sua experiência de leitura. 

A autora

Em 1925, na Ucrânia, nasce Clarice Lispector. De origem judaica, em 1926, Clarice ainda muito pequena veio para o Brasil em virtude das perseguições que os judeus estavam sofrendo, perseguições ocasionadas pelas ideias antissemitas difundidas durante a Guerra Civil Russa.

Chegou a Maceió, Alagoas, onde morava uma tia. Em 1929, mudou-se para Recife onde viveu sua infância. Clarice aprendeu a escrever cedo e não demorou para que começasse a criar contos.

Publicou, em 1944, Perto do Coração Selvagem. A obra foi muito bem recebida pela crítica e recebeu o Prêmio Graça Aranha. Após dois anos, publica O Lustre. Em 1949, Cidade Sitiada. Trabalhou como jornalista, escreveu diversos contos e obras que mudaram o rumo da narrativa moderna. Faleceu em 1977, no Rio de Janeiro, aos 57 anos.

Considerações

Aviso que não é uma leitura que trará serenidade. Muito pelo contrário, A hora da estrela concederá reflexões profundas e importantes a respeito de nós mesmos e do que está por trás da nossa visão de mundo.

Rodrigo S. M., durante toda a construção da sua personagem, vive conflitos em relação ao sentido da sua própria vida, ao desconhecimento de si próprio, ao que está ao seu redor e ao seu propósito como escritor.

“A verdade é sempre um contato interior e inexplicável. A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique. Meu coração se esvaziou de todo o desejo e reduz-se ao próprio último ou primeiro pulsar. A dor de dentes que perpassa esta história deu uma fisgada funda em plena boca nossa.” Pág. 11

A Hora da Estrela nos imerge em nuances da vida interna e externa. Será, mesmo, que temos consciência de nós? Como olhamos para nossa vida? Como olhamos para o próximo? Como lidamos com as diferenças? Sabemos quem somos nos baseando no papel social que pensamos representar? É motivo de orgulho não ser um parafuso dispensável?

Supostamente, Rodrigo S. M é um disfarce usado por Clarice Lispector. Para entender melhor essa indagação, sugiro que você assista à entrevista da autora, pouco antes de morrer, no Programa Panorama da TV Cultura.

Curtiu a ideia sobre A hora da estrela?  Aproveite a visita e leia também: "Resenha: A Grande Arte de Ser Feliz".

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